Enquanto o consumo global da bebida caiu mais de 6%, o Brasil foi o país em que o vinho mais cresceu entre os 20 maiores mercados

Muito se comenta sobre como a pandemia gerou um aumento no consumo de bebidas alcoólicas em diferentes mercados. Isolados em casa e sem poder socializar, frequentar restaurantes e viajar, muitas pessoas encontraram no vinho a companhia ideal para a quarentena. No entanto, se o isolamento social é um fenômeno global, por que o crescimento no consumo de vinhos foi tão forte em alguns mercados, enquanto em outros o efeito foi o contrário?

Uma análise cuidadosa permite ver que não houve um padrão global e, apesar de algumas similaridades, em cada país o consumo de vinho foi afetado de maneira distinta. Segundo a IWSR, em 2020 o mercado mundial sofreu uma retração de -6,5% para o vinho, -7,1% no caso da cerveja e -6,2% no agregado total das bebidas alcoólicas, na comparação com 2019. Em contraste, o consumo de vinhos no Brasil aumentou 28% no mesmo período, e até a cerveja cresceu 1,7%.

No entanto, seria simplista afirmar que o isolamento social por si só explica este fenômeno – como se prender o consumidor em casa resultasse sempre em um aumento no consumo de vinho. Tanto não é verdadeiro, que o efeito foi exatamente o contrário em importantes mercados, incluindo China, Espanha, Austrália, Canadá e África do Sul, como registra o último relatório da OIV.    

É preciso distinguir as tendências estruturais e de longo prazo, daquelas ocasionais e potencialmente de curto prazo.

Outro ponto importante é separar os fatores relacionados à pandemia que impulsionaram o consumo do vinho no Brasil, daqueles que já estavam presentes no nosso mercado. Em outras palavras, é preciso distinguir as tendências estruturais e de longo prazo, daquelas ocasionais e potencialmente de curto prazo. No atual cenário de incertezas, isso nos ajuda a desenvolver estratégias para lidar com a flexibilização do afastamento social.

Abaixo, analisamos 5 tendências estruturais do mercado brasileiro de vinhos, que já se observavam antes da pandemia, e que ajudam a entender por que, ao contrário de importantes mercados, o nosso país viveu em 2020 um boom no consumo da bebida.

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1 - Expansão da base de consumidores

Pesquisas de rotina da Wine Intelligence apontam que a base de consumidores regulares de vinho no Brasil cresceu em 17 milhões de pessoas na última década. Em 2010, 22 milhões de respondentes declaravam consumir vinho ao menos uma vez por mês. Em 2020 este número subiu para 39 milhões – o equivalente a quase duas populações de Portugal em número de novos bebedores regulares. Prova disso é o crescimento dos estilos mais acessíveis ao paladar de bebedores iniciantes, com maior teor residual de açúcar, para ocasiões informais. Como exemplo, a participação dos rosés no nosso mercado cresceu de 2 para 6% em volume desde 2015, de acordo com a IWSR.

A proporção de brasileiros adultos que consomem vinho cresceu consideravelmente desde 2018, com 7 milhões de novos bebedores regulares (Crédito: Wine Intelligence).

A proporção de brasileiros adultos que consomem vinho cresceu consideravelmente desde 2018, com 7 milhões de novos bebedores regulares (Crédito: Wine Intelligence).

2 - Nativos Digitais

Os brasileiros foram rápidos em adotar as plataformas digitais. Hoje, somos o quarto país em número de usuários no Facebook (130 milhões), o terceiro no Instagram (99 milhões) e o segundo em número de downloads do app Vivino (4 milhões). A popularidade dos e-commerces de vinho já era alta antes da pandemia, com mais de ¼ dos consumidores utilizando os canais online para adquirir a bebida. Isto posiciona o Brasil como o terceiro maior mercado virtual de vinhos no mundo, com mais de 10,6 milhões de compradores – atrás apenas de China e Estados Unidos. 

O Brasil já é o terceiro maior mercado do mundo em número de compradores de vinho online, com 30% dos bebedores regulares da categoria utilizando este canal (Crédito: Wine Intelligence).

O Brasil já é o terceiro maior mercado do mundo em número de compradores de vinho online, com 30% dos bebedores regulares da categoria utilizando este canal (Crédito: Wine Intelligence).

3 - Baixa participação do on-trade e fortalecimento de varejistas regionais

A participação do on-trade no mercado nacional de bebidas permanece relativamente baixa. De acordo com a IWSR, cerca de 16% do volume de vinhos é vendido em hotéis, bares, restaurantes e caterings (HoreCa) – fatia pequena na comparação com mercados maduros como Portugal (37%) e Espanha (45%). Além disso, nota-se uma considerável sofisticação na oferta e promoção de vinhos nas prateleiras dos supermercados brasileiros, particularmente nas redes regionais de varejo. Impedidos de frequentar os restaurantes, os consumidores continuaram tendo acesso aos seus rótulos preferidos, em uma larga variedade de estilos, origens e categorias de preço.

4 - Consumidores abertos às novidades

A abertura para experimentação de novos tipos e estilos de vinho é um dos comportamentos de consumo que se destaca entre os bebedores brasileiros. Segundo o relatório Wine Brazil Landscapes 2021, da Wine Intelligence, 70% dos nossos consumidores se declaram dispostos a explorar novidades, versus 51% nos Estados Unidos, 47% na China e 43% no Reino unido. Ao mesmo tempo, a parcela de bebedores classificados como “altamente envolvidos” com a categoria no Brasil amentou de 26 para 30% entre 2017 e 2020. Este foi outro fator estrutural que permitiu o crescimento do vinho, no momento em que as opções de lazer foram limitadas pelo afastamento social.

Segundo estudo da Wine Intelligence, bebedores brasileiros estão mais abertos à experimentação de diferentes tipos e estilos de vinho que os de outros mercados (Crédito: Wine Intelligence).

Segundo estudo da Wine Intelligence, bebedores brasileiros estão mais abertos à experimentação de diferentes tipos e estilos de vinho que os de outros mercados (Crédito: Wine Intelligence).

5 - Expansão das ocasiões de consumo e menos viagens

É interessante observar que as ocasiões para o consumo de vinho durante a pandemia não se limitaram às ocasiões formais. Como mostra o Índice de Frequência de Consumo da Wine Intelligence, os bebedores declaram estar tomando mais vinho como “uma taça para relaxar no fim do dia” e para “refeições informais em casa”. Soma-se a isso o aumento do ticket-médio das bebidas nos supermercados, que foi resultado das restrições aos restaurantes e ao turismo. No entanto, segundo os dados mais recentes, 55% dos respondentes estariam mais dispostos a viajar para o exterior uma vez terminadas as restrições ao turismo. O efeito disto ainda há de ser observado no consumo internacional e doméstico.

 

Fica claro que uma série de condições favoráveis ao crescimento do vinho já estavam presentes no mercado brasileiro antes da pandemia. 

Uma análise cuidadosa de como esses fatores afetam os diferentes agentes do mercado e um olhar mais atento sobre o passado pode ser um exercício útil para nos ajudar a imaginar o que pode vir pela frente para o mercado de vinhos no Brasil.

Saiba mais sobre o Brazil Wine Landscapes 2021 no site da Wine Intelligence.

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Foto de capa: Laura Clugston on Unsplash