Como as práticas sustentáveis estão transformando a indústria do vinho

A sustentabilidade tem um conceito amplo, que abrange tanto as práticas ambientais quanto as sociais e econômicas e tem como objetivo garantir o equilíbrio entre as necessidades humanas e a preservação dos recursos naturais para as gerações futuras. No mundo do vinho, as práticas sustentáveis começam no vinhedo, com a redução do uso de recursos naturais, como água e energia, a utilização de técnicas renováveis e a reciclagem de resíduos. Todavia, a sustentabilidade vai muito além disso, ela engloba toda a cadeia de produção, como a escolha da embalagem, a logística e o transporte e, até mesmo, o marketing do produto.

Trabalhar de forma sustentável já não é apenas uma tendência, é uma necessidade. De acordo com um relatório da NielsenIQ, 69% dos consumidores globais consideram que a sustentabilidade é mais importante hoje do que era há dois anos. Além disso, 63% daqueles que bebem vinho regularmente se preocupam com as mudanças climáticas e buscam reduzir seu impacto individual, segundo pesquisa da inglesa IWSR/Wine Intelligence.

Nesta edição, o Blog da Winext, irá explorar como a sustentabilidade se desdobra fora dos vinhedos, destacando soluções inovadoras em embalagens, logística verde e educação do consumidor, além de abordar os desafios do greenwashing no setor.

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Reduzindo o peso das garrafas: menos vidro, menos emissões

Embora seja inegável a tendência global de adoção de garrafas mais leves, no Brasil e em algumas outras partes do mundo, o peso das garrafas ainda exerce forte influência sobre o consumidor. Frequentemente, garrafas mais pesadas são associadas a produtos de maior qualidade, uma percepção que, infelizmente, desconsidera aspectos mais importantes, como a origem da matéria-prima, todo o cuidado na produção e, sobretudo, o impacto ambiental.

De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o setor vinícola contribui com cerca de 265 milhões de toneladas de emissões de CO₂ por ano, sendo que até 30% dessas emissões estão associadas às embalagens e ao transporte. Do carbono emitido para a fabricação de uma garrafa, 85% vêm do vidro. Primeiramente, porque na fabricação das garrafas de vidro há uma demanda elevada de energia e, em segundo lugar porque o peso das garrafas, contribui para maiores emissões durante o transporte, com o consumo de mais combustível.

Portanto, garrafas mais leves significam menos gasto de energia na fabricação e cargas mais leves, que consomem menos combustível e diminuem as emissões de CO₂. Segundo uma análise da The Carbon Trust, uma pequena mudança, como a redução de 20% no peso das garrafas, já economizaria mais de 200.000 toneladas de CO₂ por ano, o equivalente a retirar 40.000 carros da estrada.

Algumas vinícolas importantes no cenário mundial, como Familia Torres e Catena, já estão fazendo mudanças em relação às suas embalagens. A espanhola Torres, por exemplo, reduziu o peso de suas garrafas em 15%, economizando cerca de 9.000 toneladas de CO₂ anualmente. Já a argentina Catena vem há mais de uma década se dedicando a diminuir o peso das garrafas e, desde 2010, já reduziu em 40% o peso total. A garrafa do vinho Catena Appellation Malbec, por exemplo, passou de 700 para 380 gramas.

No Brasil, a Salton criou embalagens com um percentual de vidro menor em sua composição, as quais chamou de garrafas aliviadas. Além da menor geração de carbono, essa mudança impacta também em todas as etapas de transporte, explica Maurício Salton, diretor-presidente da vinícola. “Garrafas aliviadas diminuem em até 30% o peso de um caminhão que transporta mil garrafas", destaca.

 

Alternativas ao vidro: latas, bag-in-box e mais

Alternativas para as embalagens de vidro, como o bag-in-box e as latinhas de alumínio, têm ganhado espaço no mercado, oferecendo, além da praticidade, uma pegada ecológica significativamente menor.

Ainda que os consumidores mais tradicionais apresentem certa resistência às embalagens alternativas, no Brasil, as latas de alumínio têm registrado um crescimento significativo nos últimos anos. Segundo dados da ABRELATAS (Associação Brasileira de Fabricantes de Latas de Alumínio), apenas no primeiro semestre de 2024, a produção apresentou um aumento de 12% em comparação ao mesmo período de 2023. Esses números evidenciam uma mudança no comportamento do consumidor, impulsionada pela praticidade e também, pela sustentabilidade.

Lovin’Wine primeira marca de vinho em lata premium no Brasil (foto: divulgação)

A Lovin’ Wine, primeira marca de vinho em lata premium no Brasil, é um bom exemplo dessa transformação e vem expandindo as suas operações desde a sua criação em 2020. As latinhas, além de práticas e versáteis (fáceis de abrir, transportar e gelar) são uma escolha mais amiga do meio ambiente. Com um processo de reciclagem eficiente (em apenas 60 dias, uma lata pode retornar às prateleiras como um novo produto), elas consomem apenas 5% da energia que seria necessária na produção e reduzem em 95% as emissões de carbono, gerando um impacto ambiental muito menor em comparação às garrafas de vidro.

Outra solução sustentável são as embalagens bag-in-box. De acordo com dados mais recentes da Uvibra a comercialização de vinhos finos neste tipo de embalagem avançou 18% de 2019 a 2024 e já representa 4% do volume comercializado (as garrafas convencionais de 750ml ainda representam 91%). Esse tipo de embalagem oferece diversas vantagens para os produtores, como baixos custos logísticos, facilidade de transporte, menor risco de quebra e economia de peso de cerca de 40% em comparação às garrafas de vidro.

O grupo Miolo , um dos maiores do país, tem apostado nas embalagens bag-in-box, oferecendo opções de 3 e 5 litros. Além de ser uma solução sustentável, ajuda a deixar seus vinhos finos mais acessíveis ao público. Entre as opções estão os vinhos das linhas Almadén, Terranova e Seleção.

Miolo e as vantagens do Bag-in-Box (foto: site Miolo)

Garrafa de papel?

Em 2020, foi lançada uma solução bastante inovadora . A garrafa feita de papelão reciclado, desenvolvida pela empresa britânica Frugalpac e  utilizada pela Cantina Goccia, na Itália, a primeira vinícola a adotar essa tecnologia. Composta por 94% de papel reciclado e um revestimento interno próprio para alimentos, a garrafa pesa apenas 83g, sendo até cinco vezes mais leve que uma garrafa de vidro tradicional. Isso representa reduções drásticas nas emissões de CO₂, inclusive durante o transporte. A pegada de carbono da Frugalbottle é 84% menor do que a das garrafas convencionais. Além disso, a garrafa é reciclável: basta separar o revestimento interno do papel.

Frugalbottle, a primeira garrafa produzida com papel reciclado. (foto: divulgação)

Logística verde: repensando o transporte

O transporte de vinho representa 42% da pegada de carbono de uma garrafa exportada e é uma das maiores fontes de emissões de CO₂ na cadeia de produção de vinhos, segundo dados da OIV.  Nesse sentindo, vem acontecendo uma movimentação dos produtores de vinho ao redor do mundo, para buscar soluções que minimizem esse impacto.

Por exemplo, através da otimização de rotas e da utilização de meios de transporte com menor impacto ambiental, como navios e trens, há uma significativa redução das emissões de carbono. Outra solução bastante eficiente é o transporte a granel (bulk wine), que pode reduzir as emissões em até 40%, quando comparado com o transporte de garrafas de vidro. Vale destacar que a legislação brasileira não permite a importação de vinhos a granel.

Além disso, iniciativas para utilizar rotas marítimas e ferroviárias têm ganhado tração, já que o transporte ferroviário emite cerca de 15 vezes menos CO₂ por tonelada-quilômetro do que o transporte rodoviário, destacando sua importância na logística sustentável.

Reutilização e reciclagem: a conscientização do consumidor

O vidro é um material 100% reciclável, que pode ser transformado em novas embalagens infinitas vezes, sem perdas. Porém, ao contrário do alumínio, que tem percentuais de reciclagem próximos dos 100%, um percentual ainda pequeno de garrafas de vidro é reciclado globalmente. Segundo dados da ABIVIDRO (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro), mais de 1 milhão de toneladas de vidro são produzidas anualmente mas, aproximadamente 25% é efetivamente reciclado.

O consumidor precisa saber que também faz parte da cadeia de sustentabilidade e por isso é importante que ele seja educado sobre o assunto, especialmente no tocante a reciclagem. Uma garrafa feita de materiais reciclados utiliza 50% da energia necessária para produzir uma garrafa nova e representa uma diminuição significativa nas emissões de carbono.

Através de campanhas educativas, seja pelas mídias sociais, seja presencialmente nas vinícolas, ou até mesmo em lojas e importadoras, deve-se demonstrar o impacto positivo da reciclagem para o meio ambiente. Os consumidores precisam conhecer o processo correto de separação de materiais recicláveis, além de identificar pontos de coleta ou pontos de entrega voluntária. Lojas e pontos de venda podem implementar iniciativas para incentivar a devolução das garrafas, como programas de desconto para quem as devolve, por exemplo.

Ricardo Morari, enólogo da Cooperativa Vinícola Garibaldi conta que em torno de 60% do vidro utilizado para a fabricação das garrafas novas é oriundo da reciclagem. Ele ressalta a importância da conscientização dos consumidores para que haja um avanço das práticas sustentáveis.

Ricardo Mori acredita que o consumidor desempenha papel fundamental na sustentabilidade (foto: acervo pessoal)

É fundamental que o consumidor faça a separação do vidro de outros materiais no momento do descarte, facilitando a reciclagem e ampliando cada vez mais o percentual de vidro reaproveitado na fabricação das embalagens novas.
— Ricardo Mori - enólogo da Cooperativa Vinícola Garibaldi

Em 2022, a Salton, que participa de programas de logística reversa e conscientização ambiental, destinou R$ 1,1 milhão para iniciativas como o "Ecocert" e "Glass is Good", visando aumentar a reciclagem de garrafas de vidro e reduzir o impacto ambiental de suas operações.

Infográfico da Abrabe.org - Glass is Good

Greenwashing: quando a sustentabilidade é só marketing

Com o aumento das ações e reivindicações de sustentabilidade, muitas empresas podem cair na prática chamada greenwashing — quando se promovem como “verdes” sem terem, de fato, práticas alinhadas ao discurso. Exageros publicitários e promessas fictícias podem comprometer a confiança do consumidor na marca ou prejudicar a credibilidade da sustentabilidade como um todo e, portanto, devem ser evitados.

Imagem gerada por IA

Os esforços devem ser reais e não simples estratégias de marketing. O produtor deve demonstrar um compromisso genuíno com as práticas sustentáveis e, o impacto ambiental, deve ser prioridade em toda a cadeia de produção. Não adianta reduzir o consumo e o desperdício de água na produção do vinho e continuar engarrafando-o em embalagens extremamente pesadas.  

Investir em certificações também é importante, mas não é suficiente. Mais do que isso, é necessário ser transparente na comunicação, informando ao público de forma clara os elementos de uma produção sustentável, incentivando-o a optar por produtos com menor pegada ambiental e a apoiar marcas que priorizem as práticas sustentáveis.

A Cooperativa Vinícola Garibaldi, por exemplo, disponibiliza em seu site o Relatório de Sustentabilidade, onde apresenta suas práticas e compromissos relacionados à sustentabilidade.

Implementando técnicas sustentáveis

Para iniciar a jornada rumo à sustentabilidade, o primeiro passo é realizar um diagnóstico completo das operações, identificando áreas de maior impacto ambiental, como consumo de água, energia e geração de resíduos. A partir disso, deve-se estabelecer metas claras e mensuráveis. Ações simples, como a implementação de sistemas de reaproveitamento de água da chuva, uso de fontes de energia renováveis e a transição para garrafas mais leves, são um bom começo. Além disso, é necessário capacitar a equipe e os colaboradores locais, promovendo treinamentos e parcerias que reforcem a importância das práticas sustentáveis. Buscar as certificações “verdes” também pode ser interessante em alguns mercados.

Ao adotar práticas que protegem o meio ambiente, o setor do vinho tem a oportunidade de se posicionar como um modelo de indústria sustentável. No entanto, é preciso olhar para cada etapa da cadeia de produção. O uso de garrafas mais leves, as embalagens alternativas e a otimização da logística e do transporte, além de colaborarem para um meio ambiente mais sadio, com a redução das emissões de carbono, conseguem atender a um público cada vez mais consciente e exigente.

O consumidor deve ser constantemente educado sobre o tema para que se torne cada vez mais perceptível o impacto positivo que suas mudanças de comportamento podem ter no meio ambiente. As marcas, por sua vez, precisam comunicar ao consumidor, de forma clara e transparente, as práticas adotadas, evitando o greenwashing. Assim, além de ajudar o meio ambiente, podem ter sua imagem fortalecida e sua credibilidade aumentada.

A sustentabilidade na indústria do vinho é hoje uma necessidade para aqueles que desejam permanecer relevantes no mercado. Respeitar o meio ambiente é um compromisso com o presente e, mais importante, com o futuro.

 


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 Para saber mais:

– The Washington Post “ Winemakers are using lighter bottles to go green” , Wine makers are using lighter bottles to go green - The Washington Post

Meet the Frugal Bottle”Frugal Bottle - Frugalpac

– Forbes by Erica Duercy “How Laura Catena Is Tackling Wine’s Sustainability Challenges, How Laura Catena Is Tackling Wine’s Sustainability Challenges

Leia também no Blog da WInext: “Jovens Consumidores e o futuro do vinhoJovens consumidores e o futuro do vinho — WineXT


Foto de capa: Diego Marinelli - Fluid - Errazuriz Wine Photographer of the Year Errazuriz Wine Photographer of The Year