Estarão os consumidores mais expostos às marcas no ambiente dos restaurantes do que nas lojas e supermercados? O caso de Portugal sugere o contrário.
A ideia de que “marcas de vinho são construídas no on-trade” se tornou senso comum em diversos mercados. No Brasil, fica clara a confiança do setor na teoria: é difícil encontrar muitas das marcas consideradas importantes no mundo do vinho em exposição nas prateleiras dos grandes supermercados, embora isto venha mudando aos poucos; comumente, elas se limitam às cartas de alguns restaurantes e à loja dos próprios importadores. Mas será esta a melhor estratégia para gerar reconhecimento e fortalecer a imagem de uma marca entre os consumidores?
Como comenta Luis Osório, especialista da Wine Intelligence, as marcas são construídas na cabeça dos consumidores; elas são o conjunto das percepções sobre aquele produto ou serviço que se formam ao longo do tempo na mente de cada pessoa. Portanto, o primeiro passo na construção de uma marca é que os compradores saibam que ela existe e sejam capazes de recordá-las, o que chamamos de “brand awareness”.
Mas o que torna uma marca reconhecível e memorável entre os consumidores? Parece complicado, porém a resposta pode ser resumida em uma palavra:“contato”. Seja lá como for, o consumidor precisa ter algum ponto de contato com aquela marca, e a maneira como esta interação acontece definirá as primeiras impressões deste relacionamento.
Tendo isso em mente, vamos voltar à pergunta inicial:as marcas de vinho são mesmo construídas no on-trade? Ou seja, é no on-trade que a frequência e a qualidade da interação entre marca e consumidor encontra o seu ambiente ideal?
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O caso de Portugal
Em Portugal, o vinho é parte importante da cultura nacional e uma das bebidas mais populares para consumo no on-trade, mesmo no horário do almoço e em dias de semana. Em parte, isso ajuda a explicar a liderança do país no ranking global de consumo per capita, segundo a IWSR.
No entanto, segundo a pesquisa Vinitrac da Wine Intelligence, os consumidores portugueses bebem vinho em casa com o dobro da frequência dos bares e restaurantes. Ou seja, o off-trade é o principal ponto de contato entre os consumidores portugueses e as marcas de vinho; são nas lojas e supermercados que, na maioria das vezes, eles selecionam os vinhos que levarão para seus lares.
Para aprofundar esta análise, Luis Osório compara a experiência do consumidor nos dois canais, de acordo com os dados da Vinitrac Portugal:
Experiência no off-trade português
Nos supermercados portugueses, os consumidores costumam encontrar um espaço relativamente grande dedicado aos vinhos, comparado à área total das lojas;
As seções de vinho costumam ser atraentes, separadas por regiões vinícolas e com uma grande diversidade de marcas – desde as categorias de entrada até os rótulos mais premium;
Os consumidores costumam levar algum tempo observando as várias opções de vinhos, examinando os rótulos, lendo as descrições e algumas vezes escaneando as garrafas em aplicativos como Vivino;
Os compradores costumam estar sozinhos, tornando a experiência algo pessoal, onde ele toma o seu tempo para avaliar as alternativas e decidir qual vinho levar;
O mesmo processo costuma ocorrer nas lojas especializadas portuguesas – as garrafeiras –, onde os atendentes têm um papel importante na sugestão de rótulos;
Experiência no on-trade português
Existe uma ampla variedade de tipos de restaurante em Portugal, setor que se desenvolveu substancialmente nas últimas décadas com o crescimento do turismo no país;
A maioria destes restaurantes são similares ao que se chamaria de “tascas”: estabelecimentos típicos, econômicos e de boa comida, onde encontramos vinhos do mesmo perfil dos supermercados; são estes os restaurantes aos que a maioria dos consumidores e turistas vão para almoçar, jantar e apreciar um vinho em Portugal;
Muitos deles pedirão o chamado “vinho da casa”, em geral, identificados apenas como tinto ou branco, sem menção a marcas.
O contato dos clientes com as marcas costuma limitar-se à carta vinhos e, eventualmente, quando a garrafa é trazida à mesa;
Em um número maior de pessoas, a escolha do vinho costuma ser feita apenas pelo membro mais sênior do grupo, limitando ainda mais a exposição das marcas;
Por fim, o Vinitrac aponta que o consumo ocorre principalmente no intervalo do almoço, quando a conveniência e a agilidade costumam ser mais importantes do que o vinho na refeição;
Portanto, percebe-se que as lojas e supermercados oferecem uma série de pontos de contato significativos entre as marcas e o consumidor: ele verá diversas opções na prateleira; levará as suas escolhas para dentro de casa; ele próprio abrirá e servirá aquele vinho; a garrafa será exposta na mesa, diante dos amigos e familiares. O mesmo não ocorre no on-trade, onde à exposição das marcas fica muito limitada à carta de vinhos e ao rótulo escolhido.
Além disso, se por um lado o valor médio por garrafa gasto nos restaurantes costuma ser mais elevado em comparação ao off-trade, sabemos que esta diferença está fortemente ligada ao custo de distribuição e à margem praticada, que são superiores à maioria das lojas e supermercados. Portanto, não parece correto afirmar que o on-trade oferece alguma vantagem substancial de premiumnização para as marcas.
Trazendo a análise ao mercado brasileiro
Assim como em Portugal, o off-trade é o principal canal para venda de vinhos no Brasil: mais de 80% dos brasileiros que consomem vinho regularmente declaram ir ao supermercado para escolher os seus rótulos de acordo com o relarório Brazil Wine Landscapes 2021. E enquanto quase todos os consumidores regulares tomam vinho em casa ao menos uma vez ao mês, apenas cerca da metade declara fazer o mesmo em bares e restaurantes. Naturalmente, a pandemia e o fechamento do on-trade acentuou esta tendência, que já era verdadeira antes de 2020.
É claro, a construção de uma marca de vinhos desejada não depende apenas da frequência de “contato”. A maneira como a interação marca-consumidor acontece também é fundamental. Por isso, os gestores de marca precisam ser cuidadosos na seleção de canais de venda que sejam coerentes com o posicionamento do seu vinho – sejam eles restaurantes ou supermercados. No entanto, é certo que colocar quase todas as fichas no on-trade é uma estratégia pouco eficaz para as marcas que desejam conquistar um espaço na mente do consumidor.
Um dos principais cases de sucesso nesta estratégia é a Salton, uma das marcas mais reconhecidas pelo consumidor brasileiro segundo o Global Wine Brand Power Index 2020, da Wine Intelligence. O diretor comercial da empresa, Cleber Slaifer, avalia que o on-trade tem sim um papel relevante na construção das marcas, porém o espaço disponível no canal é limitado e a concorrência acirrada, principalmente nos seletos bares e restaurantes onde o vinho tem de fato protagonismo. “Por outro lado, o off-trade tem capacidade de apresentar uma variedade de marcas e produtos, com mais oportunidades de exposição e um potencial de distribuição enorme”, avalia Cleber. Ele destaca também a modernização das seções de vinho nas lojas e supermercados, que hoje contam um maior espaço de gôndola e estratégias de exposição e comunicação mais atraentes para os consumidores.
Outro tema relevante para um próximo debate é a construção das marcas de vinho especificamente no canal do e-commerce, canal utilizado por 1/3 dos consumidores regulares de vinho no Brasil, o que posiciona o país como o terceiro maior em número de compradores de vinhos online.
Texto adaptado do artigo de Luis Osório, “Are wine brands built in the on-trade?”.
On-trade: estabelecimentos onde o vinho é consumido no próprio local; ex.: bares, restaurantes, hotéis, catering, etc.
Off-trade: estabelecimentos onde o vinho é adquirido para ser consumido fora do local de venda; ex.: supermercados, lojas especializadas, empórios, padarias, etc.
Saiba mais sobre o Brazil Wine Landscapes 2021 no site da Wine Intelligence.
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Foto de capa: Clem Onojeghuo no Unsplash.
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