Fundadora da Wine Folly, Madeline Puckette fala sobre como ter sucesso na comunicação de vinho com as novas gerações de consumidores
Uma verdadeira revolução na comunicação de vinhos começou em Seattle, costa Oeste dos Estados Unidos, quando uma jovem designer decidiu unir as suas habilidades de ilustração com os conhecimentos que adquiriu trabalhando e estudando para ser sommelière. Em 2011, Madeline Puckette fundou o blog Wine Folly, onde começou a oferecer de forma gratuita um conteúdo educativo sobre vinhos, em uma linguagem jovem e descontraída, acompanhado de diversas ilustrações, infográficos e mapas das regiões vinícolas.
Oito anos depois, é fácil argumentar que a Wine Folly é o mais bem-sucedido case de comunicação de vinhos da atualidade. O blog está entre os 10 sites de vinho mais acessados e recebe milhões de visitantes únicos por mês. No Instagram tem mais de 195 mil seguidores e mais de 2 mil postagens, com alto nível de engajamento. A International Wine and Spirit Competition (IWSC), associação que há 50 anos premia os melhores trabalhos na indústria global de vinhos, já premiou Madeline duas vezes: em 2013 como “Blogger de Vinhos do Ano”, e em 2019 como “Comunicadora de Vinhos do Ano”. Publicado em 2013, o livro “Wine Folly: O Guia Essencial do Vinho” entrou para a lista dos mais vendidos do New York Times na área de alimentos e bebidas.
Conciliando uma agenda disputada – entre viagens, premiações e a gestão do dia a dia da Wine Folly –, Madeline gentilmente aceitou conversar com o Blog Winext para responder a algumas das perguntas que intrigam o público brasileiro, onde seu livro faz grande sucesso entre consumidores e profissionais do vinho. Ela falou sobre a criação da Wine Folly, seu público e a recente fusão com a Global Wine Database, para formar uma base global de conhecimento sobre vinhos. Além disso, Madeline deu a sua perspectiva sobre como o trade de vinhos pode ter mais sucesso na aproximação com as novas gerações de consumidores da bebida.
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W: Como surgiu a ideia de criar a Wine Folly?
M: Eu estava trabalhando com meu marido em uma startup em Seattle. O negócio não ia bem, mas consegui encontrar um grupo de pessoas realmente legais do mundo das startups. Um deles era um concorrente nosso. Sou do tipo de pessoa que, se estamos trabalhando pelos mesmos objetivos, não me importa se você é meu concorrente ou não. Então, ele se tornou meu mentor. Nós saímos para um café um dia, e contei a ele sobre os problemas que tínhamos com esta startup, e que estava muito infeliz com isso. Eu também estava trabalhando com vinho em um restaurante e era isso que eu realmente preferia fazer. Então ele me disse: “por que você não tenta trabalhar com vinhos na Internet?”.
Na época em que a Wine Folly começou, em 2011, não havia muitos Blogs de vinhos. Em 2010 me tornei uma sommelière certificada, e antes disso, já trabalhava há 2 anos em um bar de vinhos. A história de como consegui meu primeiro emprego no mercado de vinhos foi um acidente feliz. Eu estava trabalhando como designer para um jornal e, durante a crise financeira de 2008, perdi meu emprego. Naquele momento terrível, entrei em um bar de vinhos para tomar algo (morava em Reno, Nevada, na época). Sendo apaixonada por vinho, o proprietário perguntou se eu poderia ajudar no serviço aos clientes e na limpeza das taças. Aceitei o trabalho e nunca olhei para trás! Sou uma pessoa muito apaixonada e determinada, então 2 anos é muito tempo para mim. Eu não tenho filhos e meu marido também é muito focado. Ele começou a Wine Folly comigo, embora não trabalhe mais conosco.
Desde que fundamos a empresa em 2011, muito mudou no mundo do vinho e no nosso negócio. Quando começamos o site, informações sobre o vinho on-line eram muito difíceis de encontrar. Nosso objetivo inicial era melhorar esta situação respondendo às perguntas sobre o vinho de maneira útil. Hoje, há novos problemas para serem resolvidos! É um momento muito entusiasmante para a indústria do vinho no campo tecnológico.
W: Qual é o perfil típico do público da Wine Folly?
M: Nosso público é bem distribuído entre homens e mulheres. Tendemos a ter mais homens na nossa lista de assinantes. No Instagram nós temos um pouco mais de homens, mas não muito. A idade vai de 25 a 40. Provavelmente mais para 28 a 40. Tendem a ser pessoas de classe média, ou talvez média-alta, porque eles têm renda suficiente para gastar com vinho, que é caro em comparação a outras bebidas alcoólicas.
A maioria dos visitantes chega ao nosso site em busca de respostas fáceis, e permanecem por causa da utilidade e da abertura dos nossos recursos. Nós oferecemos uma grande quantidade de conteúdo gratuito, mas também temos produtos como mapas, cartazes, guias e ferramentas de vinho. Muitos dos nossos leitores utilizaram nosso conteúdo para ajudar nos estudos de cursos de certificação de vinhos. Sempre fico muito contente quando eu leio os e-mails de estudantes de vinho tendo sucesso em seus esforços!
W: Quando se comunica com o seu público, você se preocupa em não dar a sua opinião pessoal, e deixá-los descobrir o que eles próprios gostam?
M: Muito! É muito fácil dizer às pessoas o que devem gostar. E eu acho que muitos críticos de vinho e escritores fazem isso. Sou firmemente contra essa metodologia. Prefiro gastar o dobro do tempo ajudando alguém a descobrir como degustar o vinho e definir por si mesmo quais tipos e estilos gostam, do que simplesmente dizer o que deve comprar. Do contrário não há educação. E é muito difícil ser imparcial, porque nós recebemos muitas amostras. As pessoas nos enviam coisas porque querem promover seus produtos. Nunca uso essas amostras se não houver uma história educativa a ser contada.
Então, se eu fosse uma vinícola brasileira, eu sugeriria algo tipo: vamos comparar o meu Merlot com um Merlot americano. Isso é informação útil, é educacional e interessante. Nós não terminamos de descobrir todas as boas regiões vinícolas ou novos estilos da bebida. Vinho laranja por exemplo. Nos últimos 2 anos, ele deixou de ser algo desconhecido e se tornou um estilo muito importante, quase merecendo uma categoria única.
Eu gosto disso no mundo do vinho. Estou sempre interessada em novas regiões e informações. Essa é a razão pela qual estamos nos fundindo com o Global Wine Database. A ideia é permitir que os produtores de todo o mundo enviem as suas informações para uma base de dados global do vinho. Com esses dados, posso servir melhor os consumidores de vinho e a comunidade vitivinícola como um todo, criando conteúdos incríveis, nunca antes vistos, com novos dados e informações sobre o vinho. As vinícolas podem disponibilizar suas informações e tudo será oferecido de maneira gratuita para o público. Então, por exemplo, se você está tentando encontrar algumas informações sobre um espumante brasileiro e você quer saber quanto tempo ele foi envelhecido e qual o seu preço no varejo – com a Global Wine Database podemos dar a essas novas regiões a oportunidade de contar a sua história.
W: Como podemos nos comunicar melhor com a nova geração de consumidores de vinho?
M: Eu acredito que a nova geração de consumidores exige que estejamos dispostos a compartilhar o máximo possível de dados. Eles querem ter acesso a todos os dados sobre os produtos gratuitamente. Além disso, moda e identidade ainda são elementos muito importantes. Imagino que várias marcas fortes surgirão desta nova era de consumidores de vinho.
Se eu fosse uma vinícola, eu investiria em posicionar meus produtos nos lugares onde estes novos consumidores estão. Por exemplo, festivais de música – incentiva-los a beber vinho em vez de cerveja nestas ocasiões. O desafio com os consumidores entre 18 e 30 anos é que eles não têm tanto poder aquisitivo. Por isso, eles precisam começar por produtos de categorias acessíveis. Provavelmente não será um vinho de excelente qualidade. Mas o ideal é traze-los ao consumo de vinhos por esses produtos e mantê-los conectados às linhas de produtos superiores, sempre com uma narrativa educacional. Ou seja, ajuda-los a entender o vinho: o que estou bebendo? O que é este vinho? Por que ele é mais do que uma bebida saborosa para se embriagar? Acho que é por aí que começa.
Se fosse produzir para este grupo de pessoas, focaria em vinhos com alta acidez, doces e frutados. Não super doces, só um pouco, porque eles estão acostumados a beber suco, refrigerante e esse tipo de coisa. Isso é importante para que eles possam embarcar no vinho e lentamente serem guiados para estilos mais secos conforme busquem ofertas de maior qualidade. É isso que eu faria: patrocinar festivais de música, talvez competições de dança; ações com influenciadores que impactam as pessoas mais jovens.
W: E qual é a sua sugestão para os profissionais que trabalham com a comunicação do vinho em um mercado emergente como o Brasil?
M: O vinho é difícil no mercado brasileiro porque seu custo é excepcionalmente alto. E suspeito que o mesmo não ocorre com as outras bebidas. Isso dificulta muito o trabalho dos comunicadores diante do público jovem, em comparação aos outros países com leis e regulamentações diferentes. Se eu estivesse comunicando vinho no Brasil, eu continuaria a focar na experiência humana e como o ato de degustar um vinho pode ampliar a sua compreensão dos sentidos do gosto e do olfato. Este é um exercício inestimável que todas as pessoas merecem praticar, independente de serem ou não consumidoras de vinho!
W: Você pode nos explicar um pouco mais sobre esta ideia de explorar a experiência humana com o vinho?
M: Falamos há pouco sobre como iniciar os jovens no consumo do vinho e como eles têm que alcançar aos poucos um paladar do vinho. As pessoas chamam isso de um “gosto adquirido”. Diferentemente de outras bebidas, ao adquirirmos o gosto pelo vinho nós somos forçados a fazer coisas que normalmente não fazemos, como perceber os aromas. Com que frequência utilizamos a nossa visão, em comparação com o nosso olfato? Talvez você use o seu nariz uma ou duas vezes, enquanto nossos olhos são utilizados todo o tempo enquanto estão abertos. Quando falo em ajudar os consumidores, quero dizer que devemos abrir as suas ideias para a experiência do olfato e do paladar. É basicamente uma espécie de meditação, onde você está se tornando consciente com os sentidos que normalmente usa muito pouco.
Seria interessante promover experiências que mostrem maneiras de explorar o gosto e o cheiro. Lembro-me de ler sobre uma muito interessante, onde eles puseram as pessoas em salas de cores diferentes: uma azul e outra vermelha. E eles tinham taças pretas com vinhos, e pediram aos participantes que descrevessem os aromas e sabores. Na sala azul, as pessoas percebiam aromas e sabores mais florais, herbáceos e cítricos. Na sala vermelha, sentiam morango e sabores frutados. Experimentar isso você próprio é algo muito especial.
Lembro-me também de ir a uma degustação de um sommelier cego. Quando estávamos no elevador, pediram para colocarmos vendas nos olhos, e então toda a apresentação foi feita desta forma. Foi só no fim, quando tiramos a venda, que percebemos que ele era cego. De olhos vendados, fomos forçados a cheirar e explorar os sentidos. Tivemos um Chardonnay na degustação e a maioria das pessoas achou que fosse um vinho tinto! Então, esse seria o meu foco: experiências de consumo que realmente ajudem o consumidor a aprender. Gostaria de incentivar as vinícolas a fazerem coisas assim.
W: Quais são as principais tendências que enxerga no futuro do vinho?
M: Eu poderia dizer um monte de coisas sobre este tema, mas quando examino tendências, presto atenção nos comportamentos de cada audiência de compra e o que elas têm condições de pagar. Há várias indicações sugerindo que as regiões vinícolas emergentes de alta qualidade crescerão. Há igualmente a possibilidade de um crescimento da moda das bebidas saborizadas com base de vinho. E, finalmente, eu suspeito que as regiões clássicas do vinho encontrarão maior estabilidade.
W: E o vinho brasileiro? Já experimentou?
M: Eu provei alguns espumantes de grandes produtores. Também alguns Moscatos, que achei muito bons! Provei dois Merlots – um deles não era tão bom; o outro era decente. Fiquei surpresa de como esses Merlots eram herbáceos! Se você pensa no Brasil, imagina um clima quente. Por isso, degustar estes vinhos foi uma surpresa, porque vocês devem estar trabalhando em um clima muito mais frio do que eu esperava. Ainda assim, descobrir como fazer bons vinhos, do mais alto nível, neste tipo de clima vai ser bastante desafiador. Eu ainda não provei um vinho tinto do Brasil que realmente tenha me ganhado, mas acredito que seja possível.
Não deixe de visitar o blog Wine Folly para conhecer mais sobre o trabalho de Madeline e sua equipe.
Para saber mais sobre a Global Wine Database, acesse a página da empresa e o artigo da The Drinks Business.
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Foto capa: Neven Krcmarek on Unplash