Winehunter responsável pela seleção das 300 mil garrafas mensais do Clube Wine, Vicente Jorge fala sobre como tornar o consumo de vinho mais acessível ao brasileiro
Imagine começar o seu dia de trabalho em um hotel estrelado, com vista para os vinhedos do Piemonte. A rotina segue com visitas e degustações nas principais vinícolas, almoço e jantar nos melhores restaurantes da cidade, e muita negociação com os vinicultores mais destacados da região. Emprego dos sonhos? Ninguém melhor para responder do que o winehunter da maior importadora de vinhos do Brasil, Vicente Jorge.
Aos 52 anos, o paulista de Penápolis comanda a equipe de sommeliers e a seleção do portfólio da Wine.com.br, além de “caçar” mundo afora os rótulos do Clube Wine – o maior programa de assinatura de vinhos do país, com 140 mil associados subdivididos em seis níveis de experiência, cada uma com dois rótulos mensais.
Dando continuidade à série de entrevistas do Blog Winext com os influenciadores do mercado de vinhos, Vicente falou sobre “o lado que ninguém vê” da carreira de winehunter, o desafio de agradar ao paladar de milhares de apreciadores, os potenciais do nosso mercado, e a missão que assumiu de democratizar o consumo de vinho no Brasil.
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W: Qual a sua história com o vinho?
VJ: Foi uma história muito engraçada. Com 17 anos eu estava morando em Nova Iorque. Como todo brasileiro naquela época, fazia de tudo: pintor e o que fosse. E uma vez consegui um trabalho de motorista de Limusine para um judeu multimilionário de Manhattan. Foi uma aventura, porque nem carta de motorista eu tinha. Com meu último dinheiro, comprei uma carta falsificada no Central Park e fui trabalhar de motorista. Eu tinha muito tempo vago, e nessas horas esse senhor pedia que eu fosse buscar caixas de vinho para organizar na sua adega. Então comecei a mexer na adega, apesar de nem beber vinho na época. Esse foi o meu primeiro contato com o vinho. Depois de 8 meses com ele, fui trabalhar em restaurante como ajudante de sommelier. E aí comecei a me apaixonar e estudar o vinho antes mesmo de tomar.
Quando voltei ao Brasil, começou o interesse pela carreira. Acho que o primeiro evento de vinho em que estive foi a feira da Associação Paulista de Supermercados (APAS), em São Paulo. Fui batendo nos estandes e um deles era o da Interfood, onde comecei a trabalhar. Fiquei quase 12 anos lá. E aí comecei a viajar muito, visitar fornecedores, sempre estudando. Fiz tudo quanto é curso, treinei equipes e formei sommeliers, trabalhei em vinícola, fui conhecendo e entrando nesse mundo.
Mas como falo, a minha descendência é libanesa. Então eu sempre fui um sommelier comercial, de degustar muito vinho. E acho que foi por isso que surgiu essa história do winehunter, porque sempre busquei vinhos que dariam certo no Brasil, por boca, preço e estilo. Então fui me especializando nisso. E sempre cultivei um relacionamento muito forte com os produtores. Esse mundo parece grande, mas é pequeno.
E foi assim, em 2012, que vim parar na Wine, onde a gente oficializou de vez a história do winehunter. O presidente da empresa, Rogério Salume, já conhecia o meu trabalho da Interfood e me chamou para fazer um portfólio na Wine. Quando entrei, a gente comprava 90% dos vinhos no mercado nacional e importava 10%. Hoje a gente importa 95% e compra só 5% no país. Ou seja, criamos um portfólio muito sólido para a Wine.
E neste trabalho, há cinco anos eu comando os clubes de assinatura da Wine. Quando assumi, era um único clube com 10 mil associados; hoje são seis clubes com 140 mil participantes. Ou seja, faço 72 clubes anuais, com vinhos diferentes. Somos dois winehunters: eu e o Manu Brandão, meu parceiro que mora na França. Tudo passa pela nossa boca. Degustamos em torno de 2 mil vinhos por ano. Tudo catalogado em caderninho, com marca. E eu tenho que entregar, porque isso já está vendido: 300 mil garrafas de vinho para cada um dos 12 meses do ano. E diferentes! O associado espera vinhos diferentes todo mês.
W: E qual o segredo para agradar tantos consumidores diferentes?
VJ: Essa é a parte mais difícil da nossa profissão. Então no clube iniciante, toda vez em que trazemos um vinho mais ácido e seco, recebemos reclamações. Por outro lado, se trazemos Malbec, Cabernet do Chile, Carménère, África do Sul, Alentejo, está tudo tranquilo, porque a boca deste consumidor é de iniciante: ele está aprendendo a apreciar vinho. Ele quer achar fruta, corpo. Então eu tenho que respeitar isso. Não adianta pegar um Bordeaux caro, porque este cliente não vai entender aquela acidez alta e álcool mais baixo; vai achar que é um vinho ralo. Então a gente tem que ir degustando de acordo com as categorias.
O paladar é evolutivo. Os clubes mais caros são os clubes menores. Mas já sabemos o que as pessoas estão tomando, e acompanhamos mensalmente as observações dos nossos sócios. Sempre temos que saber o que está agradando e o que não está. O primeiro clube é o que eu mais gosto de fazer. Tem que ser um vinho agradável, gostoso, que a pessoa não precise pensar. No segundo, a preocupação não é só agradar, mas sim levar uma experiência; ele está esperando algo diferente para provar. Pode ser que ele não goste daquele estilo, mas a opinião dele é diferente: ele não fala “que vinho ruim”, mas sim, “olha, não gostei deste estilo, mas foi uma oportunidade de provar uma coisa que eu jamais pegaria numa gôndola”.
W: E o que é mais desafiador: escolher um vinho para bebedores iniciantes ou avançados?
VJ: O iniciante! Incrível, né? Em média, conseguimos agradar mais as pessoas que pagam mais caro. O iniciante não sabe a hora em que o paladar dele evoluiu. É muito louco! Ele já está há um ano e meio no primeiro clube e começa a achar o vinho muito doce. O que é doce? É fruta. Ou muito pesado... ou seja, ele não sabe explicar que o paladar dele saiu da fruta e do peso para a elegância. Então, começa a reclamar do vinho (risos). Na verdade, ele tem que migrar de clube. Porque não podemos mudar a experiência, já que cada mês entra gente nova querendo vinhos daquele estilo. Esse é um desafio enorme dentro da empresa: o de como fazer o assinante migrar de clube, porque o preço é outro e a evolução do paladar é uma coisa natural.
W: Ser winehunter é mesmo uma profissão dos sonhos?
VJ: Muita gente me pergunta isso. Pra mim é uma profissão dos sonhos. Mas é extremamente cansativo. Quem viaja de avião sabe o que é pegar um aeroporto fechado, extravio de mala. No ano passado viajei 150 dias. Outra parte que poucos veem é que não estou indo só escolher um vinho. Boa parte do nosso negócio é relacionamento. Se saio daqui e vou visitar vinícolas na Itália, com certeza o anfitrião vai querer mostrar a vinícola inteira, a prensa automática que ele diz que só ele tem, toda a sala de barrica, e depois ainda segue um jantar com uma extensa seleção de vinhos, até meia noite, uma hora. Isso é um sonho pra muita gente. Agora imagina fazer isso todas as noites. Tem dia em que você quer ficar no hotel e pedir uma canja.
É difícil você chegar na mesa com um vinicultor, que te levou para o melhor restaurante da cidade, e dizer: “vou querer só uma saladinha hoje ou, em vez de um vinho, me dá uma coca zero”. Você tem que ter muito jogo de cintura, porque você está negociando milhares de garrafas. Você tem que ser amigo do cara. E não é só escolher: quando trago o vinho, tenho selecionados boca, preço, prazo, rótulo, tudo! Mas é um emprego dos sonhos. Tem dia que você está dormindo num 6 estrelas no Piemonte, tem dia que você está numa casa de vinícola. É muito gostoso viajar o mundo inteiro.
W: Um dos grandes desafios do nosso mercado é o de romper com a ideia de que o vinho é uma bebida elitizada. Até que ponto você acha que é possível romper com este estigma?
VJ: Foi exatamente isso o que me trouxe para a Wine. Eu vim de uma importadora tradicional. Cresci com essa escola de o vinho ser uma coisa glamorosa. Quando aceitei o convite do Rogério Salume, foi exatamente com a seguinte frase; ele disse: “me ajuda a democratizar o vinho no Brasil?”, e eu falei: “vambora!”. Eu tinha minhas dúvidas: “mas as pessoas gostam de tocar a garrafa, ver o rótulo”. E ele me disse: “gosta, até certo ponto; o que ela quer mesmo é pagar um preço justo e tomar o vinho”.
Então o lema da Wine de democratizar o vinho me fisgou. E a gente faz isso o tempo todo: vendemos desde Lambrusco a 19 reais, até Château Margaux. E a gente vende esse vinho mais barato do que todo mundo no mercado. A partir do momento em que você traz para o site, você está pulando uma etapa da cadeia – o revendedor – e entregando o produto direto na casa do cliente. Vinhos que vendiam mil garrafas ao ano no comércio tradicional, na Wine venderam de 10 até 30 mil. Essa é uma forma de democratizar o vinho.
E essa democratização a gente fez em todos os níveis do vinho. A gente dá todas as informações possíveis, de uma forma democrática. Por exemplo, eu não vou harmonizar um vinho verde simples com lagosta; ele é com coxinha, com bolinho de bacalhau mesmo.
W: Como enxerga os potenciais e obstáculos do mercado brasileiro de vinho?
VJ: O e-commerce mudou muito o mercado. Tanto que os principais players, importadores como Wallmart, Pão de Açúcar, estão indo para o e-commerce. Para nós isso é fantástico: de novo, estamos levando um vinho para a sua casa por um preço que você pode pagar, coisa que ainda não conseguimos nos restaurantes.
Mas sem dúvida o principal obstáculo são os impostos, a burocracia na importação e a infraestrutura. Por exemplo, um vinho de 3,00 euros na Europa chega ao consumidor brasileiro por 60,00 reais; fica difícil! Quanto ao potencial, como dizem, o brasileiro não desiste nunca; com todos os percalços ainda se interessa e procura entender o que está bebendo. Quando no futuro os obstáculos forem menores, já teremos um paladar e um conhecimento mais preparado para desfrutar sem gastar tanto.
W: O que precisamos para aumentar o consumo de vinho no Brasil?
VJ: Eu acho que é continuar democratizando, deixando as pessoas à vontade para tomar o estilo e o preço de vinho que ela quiser. É também entender que o vinho é o principal acompanhamento de uma refeição. Hoje, se você vai num restaurante de praia, tem mais vinho tinto do que branco. Aí não harmoniza, você sai de lá suado, cansado.
E o Brasil aprendeu a tomar com o vinho tinto. Os brancos que o Sul do Brasil produzia no passado eram horrorosos, então não temos uma cultura de vinho branco. Isso está mudando agora com o espumante. O espumante já está tomando o lugar do consumo de branco. Baita preço e qualidade. O Brasil já é conhecido e tem tudo pra arrebentar e virar cenário nos espumantes.
W: Qual vinho combina com o seu momento atual?
VJ: Se você olhar a minha adega, 80% é Bordeaux e 20% Borgonha branco. Eu sempre vou preferir um Bordeaux, um Saint-Émilion, um Pomerol, ou que seja um Bordeaux Superior mais simples, de 50 reais. A minha boca é Bordeaux, que são vinhos que trazem elegância, e não peso.
De branco, Borgonha não tem o que falar. E Sauvignon Blanc do Chile, que também é uma benção. Você não precisa gastar num vinho da Nova Zelândia. Pela metade do preço, você tem Sauvignon Blanc chilenos incríveis. Casa Blanca, no Chile, é abençoada por Deus. Hoje eu não compraria um Sauvignon da Nova Zelândia; pelo preço compraria duas garrafas do Vale de Casablanca, ou ainda um Chardonnay do Limarí. Tem muita coisa espetacular com um preço bom.
W: E além dos vinhos e dos charutos, qual é a sua paixão?
VJ: Cachorros! Eu tenho 6 cachorros: 4 vira-latas adotados no sítio de Jaguariúna (SP), e 2 bassetzinhos que ficam ano apartamento de Vitória (ES). Outra paixão são as meias coloridas. Não sei se você já viu no Diário do Winehunter, a cada vinhedo do mundo que eu vou, tiro uma foto com as meias coloridas. Devo ter uma coleção de mais de 300 meias. A gente criou um projeto que se chama Winehunter Relax, que é pra tirar também um pouco da frescura. Isso surgiu quando eu e o Manu estávamos na Sicília, num domingo. Eu disse pro Manu: “a gente precisava continuar democratizando”. Ele disse: "pô, tira foto dessas meias num vinhedo, pra mostrar que você está descansando!".
Para continuar acompanhando as andanças de Vicente Jorge e Manu Brandão pelo mundo dos vinhos, não deixe de conferir o Diário do Winehunter e a página de Facebook da Wine.com.br.
Não leu a primeira entrevista da série? Não perca o que a sommelière Jessica Marinzeck tem a dizer sobre
o desafio de tirar o esnobismo do mundo dos vinhos!
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Foto capa: Ian Dooley on Unplash