De comissária de bordo a empreendedora, Jessica Marinzeck fala sobre o desafio de popularizar o consumo do vinho para todo o Brasil
Dando início à série de entrevistas com influenciadores do mercado do vinho, a Winext conversou com a empresária e sommelière, Jessica Marinzeck.
Aos 34 anos, a paulistana de Cangaíba (Zona Leste) já tem muita história para contar: rodou o mundo como comissária de bordo da Emirates, trabalhou como sommelière em um restaurante japonês na ilha de Malta, e coordenou as importações da e-commerce brasileira Evino. Neste período, certificou-se pela Court of Master Sommeliers, pela Wine & Spirit Education Trust (WSET Diploma) e pela Wine Scholar Guild (French Wine Scholar). Há 4 anos, é educadora dos cursos de qualificação em vinhos e destilados da Eno Cultura.
Mas foi em 2017 que decidiu alçar voo como empreendedora, quando fundou a JM Wines, com o propósito de ser a primeira empresa de vinhos “anti-esnobismo”. Além de criar e gerir marcas exclusivas da bebida, a empresa também comercializa uma seleção rótulos em quiosques próprios. O primeiro ponto de venda foi inaugurado recentemente, no Shopping Cidade São Paulo. Também em 2018, Jessica foi adiante com a criação da escola de negócios Beverage Business Meetup, que promove workshops presenciais e em formato vídeo-aula com profissionais do mercado de bebidas.
Sempre bem humorada e dona de uma risada que contagia, ela fala sobre o trabalho de levar o consumo do vinho a um publico mais amplo: “o esnobismo eu acho que a gente consegue combater, já o descomplicado, eu não quero entrar nessa briga”.
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W: Qual a sua história com o vinho?
JM: Comecei a tomar vinho ainda na faculdade. Sou formada em Artes Plásticas, e tomava vinho chileno, Casillero mesmo. O momento em que me vi pensando alguma coisa diferente em relação ao vinho foi quando tomei um carménère, e pensei: cara, isso aqui não parece o cabernet que eu tomava, tem aroma de pimentão! Comecei a achar estranho (risos). Viver de Artes Plásticas no Brasil não é fácil, ainda mais porque não venho de uma família que poderia me bancar. Na época tinha um amiga que era comissária de bordo, e ela estava ganhando muito bem. Então pensei, vou fazer isso também vou começar a voar.
Comecei a voar no Brasil, e logo em seguida passei na seleção da Emirates. Foi aí que de fato tudo mudou, minha vida e percepção de mundo. Fui morar em Dubai, e comecei a viajar o mundo todo. Para uma pessoa de 24 anos, eu ganhava bem, então pude começar a tomar outros vinhos. Lembro que em uma das minhas primeiras férias na Emirates fui visitar vinícolas da África do Sul, e isso começou a virar um hobby naquela época. Eu precisava de um mínimo de entendimento de vinhos para trabalhar na Emirates. Havia uma seleção criteriosa, e para cada região eles escolhem algo típico do local.
Voei durante 5 anos. Em 2012 parei com a aviação e decidi estudar sobre vinhos. Fui morar em Malta, uma ilha perto da Sicília, e comecei a trabalhar como sommelière, porque eu já estava acostumada com o serviço. Ao mesmo tempo, comecei a fazer os cursos da WSET, em Londres. No meio tempo em que estudava, descobri a Court os Master Sommeliers, e decidi fazer também.
W: Como você se define no mundo do vinho hoje?
JM: Comecei como sommelière, mas já faz algum tempo que não atuo no salão. O título acabou ficando. Depois, estive na Evino durante 3 anos fazendo as compras. Hoje, porque eu tenho meus dois negócios, defino-me mais como uma empresária do mundo dos vinhos. Mas também esses títulos são estranhos (risos). Tenho agora dois projetos próprios, e dou aula na Eno Cultura já faz 4 anos.
W: Como você encara os desafios de descomplicar o vinho e quebrar com a ideia de que é uma bebida elitizada?
JM: Todo mundo fala disso. O que eu tenho feito nessas novas empreitadas, no quiosque que abri, e o que falo para os nossos atendentes é: a gente não quer descomplicar o vinho, porque em algum momento ele é complicado sim. Eu já terminei o Diploma da WSET, e ainda a gente tem o nosso grupo, e a gente se faz questões sobre o solo e tudo mais. Então o vinho tem a sua complicação. A produção, no detalhe, ela é complexa. Então, descomplicar, ao menos para mim neste momento e com este quiosque, não acho que seja minha função.
A minha função é tirar o esnobismo. Eu acho que isso dá para tirar mesmo. Essa coisa de que precisa ser caro, de que precisa tomar num restaurante chique. Sabe? Preciso ter um serviço perfeito para tomar num churrasco de domingo na minha casa? O esnobismo eu acho que a gente consegue combater, já o descomplicado, eu não quero entrar nessa briga. Tem muitos detalhes, muitas nuances, que às vezes só competem mesmo aos produtores, aos nerds do assunto. Eu acho que para o consumidor final, a gente só precisa tirar essa manta de que o vinho é algo elitizado. O que eu tenho tentado fazer é o seguinte: responder às perguntas que as pessoas fazem, e não tentar responder demais.
Uma vez eu vi uma entrevista do Jorge Lucki, em que ele dizia: as pessoas gostam de camarão. Você fica perguntando o tipo de camarão? Não! Você come e está feliz, e você não precisa entender de camarão. Então é mais ou menos isso que a gente faz no vinho. Não ficamos explicando além do que tem que explicar. E também não queremos deixar a pessoa acuada. Se você está a fim de comprar uma garrafa e ir pra casa sem interagir, não vamos interagir. Parece que toda e qualquer compra de vinho precisa de uma super explicação, um super discurso. Essa preocupação em descomplicar acaba gerando mais oratória sobre o assunto, que às vezes não precisa. Às vezes descomplicar é não explicar.
O meu foco, primeiro, é consumo. Eu acho que a gente fala tanto de aumentar o consumo. Então, vamos aumentar o consumo sem ter que dar muita explicação, por ora. O consumidor precisa saber de 1 ou 2 elementos. Um aroma, se passa por barrica. Se não a gente vai entrar numa pequena aula, e nem é todo mundo que está afim, o que é normal. Eu mesma, quando se trata de alguma coisa de tecnologia, de carro, eu não estou nem aí: eu quero saber se ele vai me levar do ponto A ao B, e pronto! Todo mundo tem os seus produtos que você não quer os detalhes dele, você só quer tê-lo. Então é esse respeito pelo consumidor. A gente fica querendo catequizar as pessoas, e eu acho que não precisa.
W: Como enxerga o mercado de vinhos no Brasil, nossos principais obstáculos e potenciais?
JM: Como a grande maioria, eu enxergo como algo muito promissor. Claro, o primeiro problema são os impostos. Não tem como. Muda até a percepção daquilo que a gente vende aqui. O produto que é considerando de entrada fora do país, chega aqui como um produto de média gama, e isso tira a percepção do cliente, é um grande problema. Quase 80% do vinho quando sai do porto é imposto.
Ninguém coloca uma margem gigante. Pelo contrário, porque as pessoas querem vender. Dito isso, mesmo que você coloque uma margem baixa, aquele gatilho mental de promoção é um fator psicológico muito forte. Porque o vinho pode estar num valor barato, mas se ele está em promoção é uma visão completamente diferente. O consumidor gosta de uma promoção, está enraizado na nossa cultura. Em vez de procurar uma promoção, porque é que a gente não briga por preços justos o ano inteiro?
E nisso, eu vejo um esforço de vários profissionais de encontrar um vinho bacana, por um preço justo. Não é necessariamente o tal do custo-benefício, porque ele é diferente para cada pessoa. Tem bastante vinho, mas é normal que a gente consuma mais marca, porque a gente se sente um pouco mais seguro. A gente faz isso com outros produtos. Mas tentar fazer essas curadorias e ajudar importadores menores a trazer outros produtos é interessante.
Além disso, é também importante tentar descentralizar. A gente fica em São Paulo e acaba achando que tudo está aqui. Mas precisamos falar desse consumo para o Brasil inteiro. Então é nisso que entra o meu outro projeto, que é a BBM, a escola online de business do vinho.
W: Dizem que existe um vinho para cada momento. Qual o vinho que combina com o seu astral hoje?
JM: Eu acho que eu tenho um pouco de fases. Hoje em dia eu gosto muito de uma uva que se chama sémillon. Então eu estou descobrindo várias facetas dela. Eu até brinco nas minhas aulas que ela é a nova riesling, que é a queridinha de 10 entre 10 profissionais do vinho, ou das pessoas que entendem mais do assunto. Eu acho muito sensacional o potencial da sémillon, desde um vinho de entrada mais neutro, de acidez alta, até um vinho super complexo que não passou em nada de madeira.
W: Além do vinho, qual a sua paixão?
JM: Eu sou uma pessoa um pouco monotemática (risos). Já tem alguns anos que o vinho tem sido a minha paixão. Acho que, hoje, minha segunda paixão é empreender. Tenho gostado muito disso, e estou muito feliz com a oportunidade de fazer o mercado girar e gerar empregos.
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Foto capa: Helena Yankovska on Unplash