Confira a entrevista com José Alberto Zuccardi, patriarca de uma das famílias mais importantes para o vinho em Mendoza e na Argentina

À frente da Família Zuccardi desde 1992, José Alberto Zuccardi é a segunda geração de uma da famílias que ajudaram a transformar a Argentina numa referência global para o vinho premium. Em 1976, ele entrou para o negócio fundado pelo pai, o Engenheiro Alberto Zuccardi, que plantou as primeiras vinhas da família no início dos anos 1960, na região de Maipú, ao norte de Mendoza. Após a morte de Alberto em 2014, três gerações da família seguem ativas no negócio: a mãe de José Alberto, Emma, desenvolve projetos na área de educação; o filho Sebastián é o sucessor no comando dos vinhedos; a filha Julia lidera os restaurantes; e o caçula Miguel é responsável pelos azeites de oliva.

Na vanguarda do vinho argentino, a Família Zuccardi expandiu a sua presença em Mendoza para além da região de Maipú, estabelecendo-se em áreas de elevada altitude no Vale do Uco. Dentre elas, a família fundou em 2016 a vinícola Piedra Infinita, na região de Paraje Altamira, aos pés da cordilheira dos Andes e a mais de 1.200 metros acima do nível do mar. Alí foi produzido o ícone Zuccardi Finca Piedra Infinita 2016, que recebeu no ano passado 100 pontos da revista Robert Parker’s Wine Advocate.

Agora, ao lado de outros grandes produtores de Mendoza, como Catena e Salentein, o principal desafio da Zuccardi é o mapeamento de solos para descobrir os diferentes perfis de terroir dos seus vinhedos. Com este trabalho, a família espera ajudar a estabelecer novas indicações geográficas (IGs) no Vale do Uco e criar verdadeiros vinhos de terroir na Argentina – ou, como diz José Alberto, vinhos com uma “identidade única”.

Confira abaixo a entrevista com José Alberto Zuccardi, publicada na Revista Wine IQ da Wine Intelligence, sobre a indústria do vinho, os negócios familiares e o futuro da vitivinicultura argentina.

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José Alberto ao lado da foto do pai, o Engenheiro Alberto Zuccardi, que fundou a vinícola da família em 1963, em Maipú, ao norte do Rio Mendoza (Crédito: Zuccardi).

José Alberto ao lado da foto do pai, o Engenheiro Alberto Zuccardi, que fundou a vinícola da família em 1963, em Maipú, ao norte do Rio Mendoza (Crédito: Zuccardi).

Na sua avaliação, quais serão os principais fatores de sucesso para os negócios do vinho na década de 2020?

JZ: Eu acho que tem um ponto muito importante: o vinho requer identidade. O vinho tem dois componentes fundamentais – o lugar de onde vem e as pessoas que o produzem. Esses dois fatores criam uma identidade única que pode atingir o consumidor em mais níveis que outras bebidas. Nós estamos sempre falando de vinhos com níveis interessantes de qualidade, não é mesmo? 

As regiões e produtores estão buscando se diferenciar pelo foco nas suas características geográficas.

Qual você acha que será a principal mudança no vinho para os próximos anos, especificamente na categoria premium?

JZ: Na Argentina, especificamente, eu acho que as regiões e produtores estão buscando se diferenciar pelo foco nas suas características geográficas. Vejo isso em Paraje Altamira, Gualtallary e San Pablo, por exemplo: cada qual está iniciando um processo de auto identificação como regiões únicas, fortalecendo os laços com a sua terra e história. Isto é particularmente verdadeiro para a categoria premium e esperamos que o desenvolvimento destas regiões como indicações geográficas impulsione o crescimento dos vinhos Argentinos de alta gama nos próximos anos.

Vinícola Piedra Infinita, inaugurada em 2016 pela Família Zuccardi em Paraje Altamira, no Vale Do Uco, a mais de 1.200 metros de altitude aos pés da cordilheira dos Andes (Crédito: Zuccardi).

Vinícola Piedra Infinita, inaugurada em 2016 pela Família Zuccardi em Paraje Altamira, no Vale Do Uco, a mais de 1.200 metros de altitude aos pés da cordilheira dos Andes (Crédito: Zuccardi).

E de que maneira a indústria do vinho comunica esta identidade geográfica para o consumidor? O consumidor de alta gama entende bem este conceito?

JZ: Eu acho que as pessoas estão começando a entende-lo. O interesse crescente no enoturismo ajuda neste sentido, já que mais pessoas visitam vinícolas e regiões produtoras para entender como são feitos os seus vinhos favoritos. Educar todos os consumidores de vinho será um longo processo, mas eu acredito que as pessoas estão se interessando em saber mais sobre os vinhos que bebem e de onde eles vêm.

As pessoas procuram experiências ao redor do vinho e não apenas buscam as grandes marcas – em vez disso, elas optam por produtos com identidade.

Analisando o longo prazo, você acredita que as diferenciações regionais vão aumentar ou, pelo contrário, a globalização vai moldar a indústria do vinho?

JZ: Para mim, num mundo onde tantas coisas são padronizadas, o vinho é um oásis. Nós somos milhares na indústria do vinho, todos muito dispersos, com novas regiões e produtores surgindo constantemente. Eu acredito que, no final das contas, a diferenciação não é uma escolha da indústria, mas sim do consumidor, já que são eles que desejam vinhos únicos e buscam mais conhecimento pelo enoturismo e outros meios. É muito interessante como as pessoas procuram experiências ao redor do vinho e não apenas buscam as grandes marcas – em vez disso, elas optam por produtos com identidade. Para mim, isso é algo que o vinho proporciona às pessoas e que pouquíssimas indústrias podem oferecer.      

Para Zuccardi, a indústria do vinho é uma das poucas que oferece aos consumidores um produto com identidade e uma experiência única a cada taça (Crédito: Zuccardi).

Para Zuccardi, a indústria do vinho é uma das poucas que oferece aos consumidores um produto com identidade e uma experiência única a cada taça (Crédito: Zuccardi).

Quais mercados você acha que oferecerão o maior potencial para vinhos premium no futuro?

JZ: Nós falamos muito da China, e é verdade. O país está evoluindo no consumo de vinho, já que os consumidores chineses têm poder de compra e cada vez mais conhecimento. Também os Estados Unidos continuam com um potencial de desenvolvimento, principalmente para um país exportador como a Argentina, que tem aí um dos seus principais mercados.

O Brasil é visto como um grande potencial, mas os altos impostos atrasam o desenvolvimento dos seus consumidores.

Além disso, o Brasil é visto como um grande potencial, mas os altos impostos atrasam o desenvolvimento dos seus consumidores. Nós vemos tantos brasileiros que visitam a Argentina e estão interessados em conhecer os vinhos premium, por conta da barreira do preço no Brasil. De fato, muitos compram vinhos em Mendoza porque os preços aqui são muito melhores. Existe um potencial enorme neste grupo de consumidores, que atualmente é pouco representativo no Brasil.

Terceira geração da família Zuccardi, Sebastián (à esq.) é junto com seu pai (à dir.) uma das cinco personalidades mais influentes do vinho argentino de acordo com a revista Decanter (Crédito: Zuccardi).

Terceira geração da família Zuccardi, Sebastián (à esq.) é junto com seu pai (à dir.) uma das cinco personalidades mais influentes do vinho argentino de acordo com a revista Decanter (Crédito: Zuccardi).

Gostaríamos de falar um pouco sobre a sua experiência a frente de um negócio familiar. O que é que te deixa mais orgulhoso nesta trajetória?

JZ: O fato de que, hoje, três gerações da família estão envolvidas no negócio. Meus filhos e também minha mãe estão no negócio – e poder compartilhar esta paixão e conhecimento dos vinhos é fantástico. Nós deixamos claro que, só porque se trata de um negócio familiar, ninguém é obrigado a trabalhar com vinhos. Meu pai me deu a oportunidade de escolher e, se eu pudesse voltar no tempo, eu ainda escolheria o vinho. Acho que o mesmo aconteceu com os meus filhos, mas eles também optaram por áreas relacionadas como a hospitalidade, em complemento ao negócio da família. É importante que não haja uma obrigação que diga “você tem que fazer isso ou aquilo”, mas que eles possam exercer a liberdade de escolha. 

O segredo está em como nos comunicamos, e hoje em dia existem várias ferramentas que não elitizam o vinho e não fazem dele algo que precisamos conhecer para consumir.

WI: Em quais aspectos você acha que a indústria do vinho precisa melhorar ou dar maior foco no futuro?

JZ: Isso nos traz de volta ao importante ponto da identidade na indústria do vinho. Quando você escolhe e bebe um vinho, você está apreciando algo que é único e especial, resultado do lugar onde foi produzido e das pessoas envolvidas neste processo. Mas isso também tem a ver com as pessoas com quem você está compartilhando o momento. O vinho é uma interação entre pessoas e a bebida.

O foco importante que a indústria deve ter é em como esta experiência é transmitida, o significado do vinho e a maneira simples como ele é comunicado. Nós precisamos nos assegurar de que as novas gerações possam receber essas mensagens, sem tornar o vinho complicado e difícil. O segredo está em como nos comunicamos, e hoje em dia existem várias ferramentas que não elitizam o vinho e não fazem dele algo que precisamos conhecer para consumir. Precisamos trabalhar no sentido de quebrar as barreiras e permitir que mais pessoas apreciem o vinho, especialmente as gerações mais jovens.


Texto original publicado na Revista Wine IQ da Wine Intelligence. Confira aqui a entrevista.

Leia mais sobre o trabalho da Zuccardi e de outras vinícolas argentinas no Vale do Uco no artigo de Jancis Robinson e na reportagem da SevenFifity Daily.

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Foto de capa: Clint McKoy on Unsplash