Quando o assunto é construção de marcas, Richard Evans pode falar com propriedade. Britânico, começou sua carreira na enologia e logo migrou para os negócios. Foi responsável pelo desenvolvimento de grandes nomes no competitivo mercado inglês como Hardys, Banrock Station e Nottage Hill. Seu sucesso mais recente se chama Les Dauphins, marca criada do zero em 2013 em parceria com a Cellier des Dauphins, maior cooperativa do Vale do Rhone responsável por 1/3 da produção da região. O icônico rótulo vermelho em estilo Moulin Rouge rapidamente se transformou num sucesso de crítica e público com mais de 1 milhão de garrafas vendidas só na Inglaterra e presença em 25 países. Nos EUA é vendido entre US$ 8 e 10 e, para minha surpresa, ainda não está disponível no Brasil. Richard nos dá algumas pistas do tortuoso processo de fazer seu nome ser lembrado em um universo tão fragmentado.
Antes de começar, dois aspectos fundamentais quando falamos de construção de marcas neste mercado. Sim, nosso ecossistema é super fragmentado o que torna muito difícil o surgimento de blockbusters. Não acredito que teremos uma Coca-cola ou uma Nike do vinho. Mas isso não torna menos relevante a necessidade de usarmos a marca como um elemento chave para facilitar o processo de escolha.
O segundo aspecto é um fenômeno que já começou e deve se intensificar nos próximos anos. O fim da "reversão da lógica do mercado" que domina a nossa indústria - ou seja, começamos a entender a importância de entender o que o consumidor gosta para depois produzir, e não o contrário. E aqui recorro ao célebre exemplo do chateau francês que segue os mesmos princípios de produção há séculos, ignorando as mudanças de gosto e hábitos dos seus consumidores. Se isso pode valer para um seleto grupo de viticultores com demanda sempre cativa e uma legião de fãs dispostos a pagar caro por uma garrafa, não vale mais para a grande maioria das marcas que disputam um espaço na prateleira. E é disso que estamos tratando aqui. Com o tempo, muitas vinícolas vêm se sensibilizando e desenvolvendo produtos sob medida para atender a determinado nicho. Muitos australianos e neozelandeses aplicam esse conceito com maestria. E não por acaso vem se dando tão bem.
Pois bem, em um mercado no qual as preferências e modas de consumo aparecem e somem com tamanha velocidade é crucial entendermos para onde os ventos sopram e que tipo de produto o consumidor vai desejar dentro de 5-10 anos. Isto deve estar na pauta de todo gestor de marca que pretenda ser relevante. Vamos aos conselhos de Mr. Evans.
1. A marca deve ter um grande significado para uma pequena audiência, e não o contrário.
"A primeira coisa que penso quando estou desenvolvendo uma marca é: quem está comprando? Visualizo essa pessoa na frente da gôndola e tento imaginar o que ele está vestindo e enxergar a imagem daquele consumidor. E aí entender o que ele gostaria de ver. Quando penso na concepção da marca, tento fazer com que ela tenha um grande significado para um pequeno grupo de pessoas e não o contrário. O investimento para promover uma marca é inversamente proporcional ao seu apelo. Se você acertar na mensagem não precisará gastar rios de dinheiro." Logo, conhecer o seu consumidor e entregar a mensagem correta a um pequeno grupo de pessoas são aspectos fundamentais, já que as marcas de vinho não possuem grandes verbas de publicidade.
2. Temos que construir algo memorável
"O design é chave. É a primeira coisa que penso. Quando você conta para as pessoas que trabalha no mercado de vinho é muito comum ouvir: tomei um vinho incrível outro dia. E quando você pergunta qual foi, normalmente um silêncio paira no ar. Mesmo quando acertamos no produto, as pessoas não conseguem se recordar do nome. Portanto, temos que pensar em algo memorável. Quando criamos o conceito do Les Dauphins, pensamos no público de francófilos que apreciam tudo que vem da França, e nas pessoas que estavam bebendo vinhos do Novo Mundo, mas que teriam abertura para voltar a apreciar o Velho Mundo. Precisaríamos de um design de alto nível."
3. Design primeiro, produto depois
"O desafio inicial quando o consumidor está defronte a uma prateleira é de convencê-lo a pegar uma garrafa em detrimento da outra. Aí entra o design. A estética do Les Dauphins foi minuciosamente planejada. O desenho do rótulo ficou a cargo de Neil Tully, que lidera o bureau especializado, Amphora, e além de designer detém o cobiçado título de Master of Wine (a mais alta certificação no vinho). O profundo conhecimento de Neil sobre o assunto trouxe grande autenticidade ao projeto, ao incorporar a história da França e as tradições do Velho Mundo em uma identidade visual que se destaca em qualquer prateleira. A etiqueta do Les Dauphins reflete bem as inspirações francesas da década de 1920, com seus tons de vermelho e azul vibrantes, seus contornos em espiral e a fonte vintage. Ela parece que saiu de um poster de época, quando a "juventude perdida" ocupava os cafés de Paris e a arte e o amor dominavam a cena. Nas palavras de Nicole Talec, diretora da marca, "o estilo retrô foi concebido para atrair tanto os tradicionalistas em busca de um Rhone clássico quanto os consumidores aventureiros que buscam algo novo da França. Acreditamos que Les Dauphins é a marca de vinho mais emocionante que a França produziu nas últimas décadas."
Logicamente o produto deve corresponder às expectativas para que ele volte a ser consumido. Richard Evans aponta: "Design primeiro, produto depois. Em termos de estilo, quando falamos de vinho Francês, minha percepção é que o consumidor busca vinhos mais redondos e frutados em contraposição ao tradicional estilo terroso e mais duro de vinho Francês. Precisamos que a identidade da marca reforce esse estilo."
Criar uma marca de impacto requer portanto aguçar os sentidos do nosso público-alvo . E não podemos nos esquecer que essa experiência sensorial começa na frente da prateleira.
Nota: O artigo acima foi adaptado da entrevista How to build a hot brand publicada na Meininger's Business International.
Para conhecer mais sobre a marca Les Dauphins, veja a reportagem de lançamento que saiu na Drinks Report, no site você encontra um impecável selling sheet, e aqui você fica sabendo do prêmio recebido no International Label Design de San Francisco 2015. A Package Design Magazine também falou sobre o processo de criação do rótulo.
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Foto: Stefan Gessert | Unsplash