Antes de mais nada, respondo com um sonoro sim. Defendo energicamente a necessidade de ampliarmos os atributos do vinho para além das qualidades do produto. Nós da indústria, sofremos do que David Aaker, autor de Building Strong Brands, classifica de "armadilha do produto".
Ou seja nos fixamos, de forma obstinada, em estabelecer nossos diferenciais apenas com base nas características do produto. E perdemos todo o resto! Se quisermos construir marcas fortes, temos que alcançar o coração dos consumidores. E isso implica ampliar nosso escopo de diferenciação. Esqueça por um minuto amadurecimento em barrica, terroir único e variedades de uva inexploradas. Vinho também é história, gastronomia, estilo de vida, geografia e, por que não: bicicleta.
E aqui trago um exemplo do âmago da cultura francesa e da resistência do mundo do vinho em abraçar novas causas.
A vinícola chilena Cono Sur, um dos raros casos de bom branding e excelência produtiva, possui como símbolo a bicicleta, inspirado no meio de transporte utilizado pelos camponeses na época da colheita, irá patrocinar o Tour de France 2016, um dos principais eventos ciclísticos do mundo.
Pois bem, imagine você qual a foi a reação dos produtores franceses ao verem uma marca chilena apoiando um dos eventos nacionais de maior orgulho e exposição internacional?
Ameaçam bloquear uma das etapas em solo francês. A Associação de Jovens Produtores declarou ser "inaceitável que a organização do Tour de France aceite promover um vinho chileno ... eles deveriam apoiar apenas produtos franceses". "Nos sentimos humilhados. Produzimos vinhos de prestígio e o Tour é parte da nossa herança cultural e esportiva. Logo, nossos vinhos é que devem ser associados ao evento." declarou Frédéric Rouanet, presidente do sindicato de viticultores da região de Languedoc-Roussilon. O assunto chegou até o parlamento francês. Uma carta foi endereçada ao ministro da agricultura para tentar barrar o patrocínio.
A organização do evento insiste que não há nada de errado no acordo com o produtor chileno. It's all about money, my friend.
É certo que a legislação local impede propaganda de álcool em solo francês e a divulgação se restringirá às etapas na Espanha, Suíça e Andorra. Mas tivessem os produtores franceses atentado para a oportunidade e tomado a iniciativa, nada disso teria acontecido. Poderiam aproveitar ainda mais o fato do evento passar por solo francês em paisagens cinematográficas por vinhedos na Provence o que atrairia a atenção dos espectadores para as marcas locais criando sinergia entre o Le Tour e o Le vin.
E nem a desculpa de não produzirem uma marca de tão forte apelo eles têm. Um dos vinhos mais populares do Languedoc leva o nome de Red Bicyclette.
Enfim, convido os produtores franceses e ao redor do mundo a pensarem mais fora da caixa quando forem tratar da sua comunicação. E que peguem uma carona na garupa da Cono Sur!
Nota: a história dessa intriga foi retratada em artigo no jornal inglês The Telegraph. Aqui na íntegra.
Foto: Maico Amorim | Unsplash