Quando estamos familiarizados com determinado assunto é  comum assumirmos que outras pessoas também devem saber coisas "básicas" relacionadas ao tema. E ignoramos o processo. 

Digamos que você goste de basquete e convide um amigo novato para assistir a um jogo da NBA. Imagina que logo de cara, ele deva saber onde está a linha dos 3 pontos, o que significa uma falta técnica, e assim por diante. O mesmo acontece com os vinhos. Nós do mercado acreditamos que diferenciar uma uva da outra e ter suas próprias preferências seja algo elementar. E acabamos não prestando a atenção no que nosso ouvinte desconhece.

Independente se você lida diretamente com o consumidor, escreve sobre o tema ou esteja envolvido com a produção, devemos sempre nos lembrar de alguns pontos-chave quando estamos falando de vinhos, percepções e gosto.

Listo aqui alguns deles:

1. O paladar do consumidor é soberano. 

Acredito que esse deveria ser o ponto de partida de qualquer julgamento de opinião. De nada vale, oferecer um Bordeaux famosíssimo, de uma safra especial, se o cliente (ainda) não gosta de vinhos encorpados. Ou seja, aqui vale a máxima “vinho bom é aquele que você gosta.“ Esqueça, por um momento os pontos do Parker, tacinhas do Gambero Rosso, as exclamações da Jancis Robinson e principalmente as suas convicções pessoais. O que vale aqui é a opinião do consumidor. Os melhores profissionais de venda são aqueles que sabem ouvir o consumidor, identificar suas preferências e fugir das suas próprias crenças quando se trata de indicar um vinho ou explicar determinado assunto. 

2. O gosto muda. 

Lembra daquela verdura que você odiava na infância e passou a gostar? Ou aquele achocolatado doce que você desfrutava com tanto prazer e não pode nem ver mais pela frente? Pois é, com vinhos é a mesma coisa. O consumidor pode começar gostando dos mais levinhos e docinhos e  ir mudando suas preferências. Ou, o que é mais provável, ao provar coisas novas, ir ampliando o leque. Ou seja, é complicado encaixarmos consumidores em segmentos pré-definidos já que é comum, a até esperado, que o seu paladar mude ao longo do tempo.   

3. A experiência muda a percepção do gosto. 

A companhia, o ambiente, seu estado de espírito. Tudo isso afeta (e muito) nossas percepções de gosto. Além disso, somos influenciados pelo preço do produto. Isso vale para outras categorias, onde nossa avaliação é subjetiva. Ou seja, o mesmo produto pode trazer experiências diferentes dependendo da ocasião. Contexto aqui é a regra de ouro.

4. A melhor forma de aprendizado é na prática. 

A melhor forma de aprender é experimentando. Com atenção, é claro. E, ao final, concluir “gosto disso”, “prefiro aquilo”.  Muitos clientes jamais terão interesse em aprender coisa alguma. Querem mais é curtir um bom momento ao redor de uma taça. Nosso papel aqui é de facilitar o caminho ao invés de criar regras. Quantas vezes pregamos que temos "descomplicar o mundo do vinho" e nos pegamos falando de termos subjetivos e abstratos para quem não tem a mínima idéia do que se trata. Passe os olhos pelos contra-rótulos nas prateleiras e verás inúmeros exemplos.

5. O universo dos vinhos é infinito.

Esse é um universo praticamente infinito. Usemos isso a nosso favor e não contra. Só as variedades de uvas catalogadas somam 1368, de acordo com o livro Wine Grapes da Jancis Robinson. Soma-se a isso as mais de 1000 regiões catalogadas, e as safras que podem variar a cada ano. Aqui vale a máxima de Sócrates “só sei que nada sei”.  A infinidade de opções é o que torna essa bebida tão fascinante. Não deixemos que isso afaste as pessoas de saber mais sobre esse incrível mundo dos vinhos.

Termino aqui com uma referência das primeiras páginas de um livro que li logo que comecei a trabalhar com vinhos: "Para descobrir o meu próprio gosto em termos de vinho eu teria que jogar fora os livros e entrar no mundo do vinho e da bebida, pois o gosto só pode ser desenvolvido pela ação, o que vale dizer pelo próprio prazer", Lawrence Osborne em O connaiseur acidental - uma viagem irreverente pelo mundo do vinho.

 

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