Semana passada publiquei um artigo sobre o comércio global de vinhos e espumantes em 2017 (Wine by Numbers. aqui na íntegra). Por lá percebemos que o Brasil é um player irrelevante nesta arena. Apesar de estarmos entre as principais economias do mundo, nosso desempenho é pífio em comércio internacional. Chegou a hora de olharmos para o mercado interno. O que os últimos números de importação de vinhos e espumantes nos dizem?
Faço aqui um breve resumo. Se tiver interesse em entrar a fundo nos dados, recomendo entrar em contato com a Ideal Consultoria (fonte dos números):
1. Se olharmos o mercado como um todo, continuamos andando de lado
Nos últimos 5 anos o mercado total de vinhos e espumantes recuou 10% em volume. As maiores quedas foram nas categorias extremas: o vinho de mesa, o popular garrafão, caiu 27.9% e o champanhe 36.7%. Cresceu o vinho importado (27.2%) e o espumante nacional (28%). Trocando em miúdos, nota-se uma migração de categorias, mas o mercado como um todo não cresce. De fato, se fizermos uma estimativa de consumo per capita ele até cai - de 2.21 litros/ano por pessoa em 2011 para 1.76 litros agora. Ou seja, meus caros, apesar do vinho na novela das nove, do aumento das viagens ao exterior, da crescente oferta de vinhos importados, do fenômeno da gourmetização, com seus Masterchefs e afins, continuamos estagnados no quesito consumo total.
2. Bebidas alcóolicas são resilientes às crises
Aconteceu nos EUA pós 2008 e aqui não haveria de ser diferente. Em tempos bicudos as pessoas não deixam de consumir álcool, apenas o substituem por opções mais em conta. Ou seja, quem já consumia vinho fino não deixou de beber. Trocou aquele vinho de todo o dia de R$50 ou mais a garrafa por um de R$35 (ou menos ...). Os números ilustram bem o assunto. No período que antecedeu a nossa crise, vinhos de até R$35 (preço loja) correspondiam a 37% do total do volume importado (dados de 2014). Pelas últimas estatísticas de 2017 esta mesma categoria representa impressionantes 77% do mercado. Ou seja, do total das importações deste ano mais de 2/3 são vinhos que custarão menos de R$35 no ponto de venda. Vale destacar o fenômeno das importações diretas pelos supermercados, o desenvolvimento do canal e-commerce na venda de vinho, e as alterações de incidência do IPI que afetou principalmente os produtos mais caros. Mas o que balançou mesmo este número foi a crise que obrigou os importadores mais tradicionais a ajustarem os seus portfolios. E o volume total de vinhos e espumantes importados cresceu impressionantes 35% no primeiro semestre deste ano comparado ao mesmo período do ano passado (em 2016 este volume já havia crescido 6%, apesar, e por causa, da crise).
3. Copo meio cheio ou meio vazio?
Pois bem, se olharmos para o mercado como um todo o consumo está estagnado. A crise não afetou o volume. Pelo contrário, o vinho importado barato até cresceu com a crise. E somado a isso, temos 8 milhões de novos consumidores entrando nesse mercado nos últimos 5 anos (segundo últimas aferições da consultoria Wine Intelligence). Qual o principal desafio para alcançarmos um novo patamar?
É certo que um aumento significativo do PIB bem como uma melhora do ambiente regulatório teriam enorme impacto sobre o mercado e o consumo de vinho (dentre eles: reforma tributária, desoneração do setor, incentivo ao pequeno produtor, desburocratização, abertura comercial, etc.). Mas isso depende do desenvolvimento da economia como um todo e foge do nosso alcance por ora (é assunto para outro blog). Seria ficar olhando para a metade vazia do copo.
Dado que as ações acima pouco dependem das nossas iniciativas individuais, onde podemos concentrar nossos esforços desde já?
Algumas frentes que estão ao nosso alcance e de grande impacto:
(I) Educar este novo consumidor com o objetivo de ampliar seu repertório, desenvolver o paladar e escalar rumo a novas e mais sofisticadas preferências de consumo. Aqui me refiro às inúmeras possibilidades de levar conhecimento ao consumidor, desde cursos técnicos, palestras, degustações, viagens educativas até inserir o vinho em um contexto mais amplo de aprendizado. Ao meu ver há boa oferta de atividades educacionais para o mercado/trade, mas faltam ações nesse sentido principalmente ao consumidor iniciante. Os supermercados vêm fazendo um esforço nesse sentido assim como o e-commerce. Mas a maioria são voltadas ao consumidor mais expert e ainda é pouco.
(II) Fazer com que o vinho esteja acessível ao maior número de pessoas possível, em um formato lúdico e descomplicado. Proporcionar mais experiências para que o consumidor entre em contato com o universo do vinho, de preferência em um formato descontraído e que aproxime o produto das pessoas. Aqui também me refiro a inovações de produto (vinho em lata, só para citar um exemplo) ou de ocasião de consumo (praia, pic nic, etc).
(III) Fazer bom uso da comunicação, associando o produto vinho a outras referências cognitivas tais como seus benefícios a saúde, aspectos culturais, históricos, entre outros. Ou seja ampliando o vinho para além dos benefícios intrínsecos do produto. Isso nos possibilita nos diferenciarmos das demais categorias de bebidas alcoólicas além de estabelecer uma conexão poderosa com o público-alvo. David Aaker em seu best seller Building Strong Brands ilustra bem o assunto.
Fica a pergunta: quanto tempo você tem dedicado a isso?
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Fonte: Relatórios de Mercado gentilmente fornecidos por Felipe Galtaroça da Consultoria Ideal felipe.filetto@gmail.com
Foto capa: Photo by Heidi Sandstrom. on Unsplash