Nós da indústria do vinho nos vemos frequentemente como rivais, como naquela antiga história em quadrinhos spy vs spy. Na luta por um lugar na prateleira, atenção do consumidor ou altas pontuações da imprensa especializada, no final das contas é vinho versus vinho, não é mesmo?
Mas hoje em dia a concorrência não vem apenas do vinho ou de outras vinícolas e regiões, mas sim de outras categorias como a cerveja artesanal, os destilados, coolers entre outros, que souberam muito bem atender os desejos dos consumidores. A batalha por espaço na prateleira é real, mas não é o único desafio.
Fatores de sucesso da cerveja artesanal
A cerveja artesanal vem tendo enorme sucesso aqui e lá fora. Se não podemos negar que pode nos ajudar a trazer novos públicos para o vinho, o fato é que parte do consumo migrou para a nova categoria. É o que chamamos de share of throat. Vinho e cerveja concorrem pelo mesmo espaço na "garganta" do consumidor. Cientes disso, gigantes como a AB Inbev estão em constante busca pela captura desse espaço. Veja alguns exemplos aqui.
A cerveja artesanal tem algumas vantagens. As margens de lucro podem ser excelentes, e o produtor não está limitado a uma safra por ano. Ele pode processar um lote por semana se quiser, com os mais diferentes ingredientes. Ademais, migrar para a cerveja artesanal é um movimento natural para um consumidor já acostumado com a gelada. A título de comparação, o consumo de cerveja em geral é de 68 litros/per capita (cervbrasil 2014). Imaginemos que 5% deste consumo seja de artesanais (não há dados confiáveis deste segmento), já estamos falando de 3.4 litros por pessoa versus 2 litros do vinho (oiv 2012).
A inovação é intensa nos corredores das cervejas, com dezenas de estilos diferentes, blends, e receitas que estão sempre mudando. E isso é fascinante. É verdade que no vinho também há uma grande variedade de uvas e estilos, mas a inovação acaba se restringindo a novos tipos de embalagem ou marcas, mais do que produtos experimentais.
Vinho mineral: não tente isso em casa!
Jamie Goode contou em seu blog sobre o experimento do enólogo californiano Randall Grahm que adicionou pedras em algumas barricas para verificar o efeito da "mineralidade" no vinho, assunto bastante em voga nos dias de hoje. Segundo Grahm, o resultado foi interessante "acrescentando complexidade e persistência no paladar". Mas logo a agência sanitária americana percebeu do que se tratava e proibiu a comercialização do produto peculiar.
Enólogos são como mestres-cervejeiros que estão constantemente experimentando coisas novas, apesar da maioria não ser tão inventiva quanto a safra mineral de Randall Grahm. A indústria cervejeira parece mais aberta a esse tipo de inovação.
Talvez pudéssemos nos inspirar em casos como este, desde que devidamente permitidos pelas regras fitossanitárias é claro, e acrescentar um pouco mais de interesse e complexidade ao nosso mercado, por que não? As barricas, por exemplo, possuem uma grande variedade de estilos e podem ser utilizadas das mais diferentes maneiras. Pensem nas inovações que Angelo Gaja introduziu no piemonte com o uso de barricas francesas novas e a popularidade crescente dos Chardonnays sem madeira (unoaked).
De whiskys que amadurecem em barricas de jerez, a cidras e cervejas do tipo ale envelhecidas em tonéis, as barricas são fontes de inovação em outros segmentos do mercado de bebidas. Talvez pudéssemos fazer algo mais à respeito e aqui vemos como marcas conhecidas do nosso mercado já vêm fazendo.
Os experimentos da Jacob's Creek
A Jacob's Creek, marca australiana pertencente ao grupo Pernod Ricard, explorou bem essa idéia e acaba de lançar duas novidades: o Double Barrel Cabernet e o Double Barrel Shiraz. Os vinhos amadurecem em barris convencionais e depois passam por um segundo estágio em barricas usadas de whisky - irlandês no caso do Cabernet e escocês no Shiraz. Interessante não?
Para lançar o produto, os enólogos promoveram degustações dos produtos antes e depois das barricas para que as pessoas pudessem perceber as influências do estágio em barricas de whisky no sabor e textura dos produtos. E, pelo que li por aí, as impressões foram bem positivas.
E para não ficar apenas no âmbito das barricas, a vinícola Chateau St. Michelle acaba de lançar o Intrinsic, um Cabernet Sauvignon de Washington com longuíssimo período de maceração. Metade do mosto passa por 9 meses em contato com as cascas, em comparação a menos de 1 mês para os tintos convencionais. Após anos de experimentos e na base da tentativa e erro, o enólogo-chefe Juan Muñoz-Oca conseguiu desenvolver um produto que, segundo ele, exprime "camadas adicionais de intensidade da Cabernet Sauvignon".
Isso significa que a indústria deve correr atrás de barricas de whisky ou desenvolver novos experimentos com a maceração? Lógico que não. Mas iniciativas como essa, nos mostram que podemos ampliar nosso leque de experimentações mesmo no universo do produto, trazendo mais dinamismo a um mercado tão preso às tradições. E, por que não, trazendo de volta consumidores que estão nos trocando pela cerveja.
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Nota: texto adaptado do post Craft wine? craft beer's innovation edge (and what wine can do about it) de Mike Veseth.
Foto: Alain Provist | Stockphotos